Um mundo à parte disposto à frente da água que vale a pena conhecer, parte de uma preciosa rota do vinho.
O isolamento pode ser um problema, mas pode ser também uma das mais fantásticas oportunidades. É nos seio desta ambiguidade – feita com cinco séculos de ocupação humana – que a Fajã dos Padres, situada no sopé do lado ocidental do cabo Girão, tem resistido num estado quase intacto até aos nossos dias. Há quatro anos que Isabel e Mário Jardim Fernandes, ambos de 68 anos, gerem o espaço hoteleiro composto por nove casas, alinhadas numa rua sinuosa, e que são a memória do recuperado aglomerado habitacional da aldeia que foi nascendo, crescendo e morrendo ao longo de décadas.
Hoje, pode dizer-se que aquele casal é proprietário de uma aldeia inteira e de uma escarpa, uma compra que começou ainda antes do 25 de Abril. «Fomos comprando as casas e as colonias [pedaços de terra arrendados aos habitantes que, em troca, pagavam com com metade do que era produzido] e ficámos com a Fajã. Restaurámos as casas e abrimos janelas para o mar – as antigas estavam viradas só para o vale, para se protegerem dos ventos», explica Isabel, com todo o detalhe. Afinal, foi aqui que passou parte da infância.
Entre árvores de fruto exóticas, flores e canteiros verdejantes, bananeiras e videiras, este recanto a que só se acede por um elevador panorâmico, na Quinta Grande, ou de barco, é um convite ao descanso absoluto. Mas antes do repouso, é importante haver uma preparação prévia para a aventura, porque descer a gigantesca parede de 340 metros exige que se respire fundo. O elevador, agora com capacidade para seis pessoas (7,50 euros, ida e volta), está ali instalado desde 1984. Deverá, no entanto, ser retirado de uso regular dentro de pouco tempo, até porque no final do ano conhecerá um «ajudante», que chegará com recurso a fundos comunitários. As obras do novo teleférico começaram recentemente e espera-se que fiquem concluídas no final do ano. Até lá, são 290 metros feitos em pouco menos de cinco minutos e sempre com vista para o que está lá em baixo. Fechar os olhos é sempre uma opção, mas é também uma oportunidade perdida.
Ficar neste paraíso dentro da ilha custa em média 100 euros por noite e cada casa, todas diferentes, tem kitchnette e uma zona de grelhados onde é possível cozinhar. Ali há, contudo, uma outra opção, o restaurante da própria Fajã, cujas receitas têm a mão treinada de Isabel. Pratos tradicionais como o atum salprezado, bodião, pargo, peixe-espada com banana frita ou molho de manga. E não é preciso ser hóspede para tomar uma das mesas da esplanada e almoçar ou jantar. Neste último caso, é importante a marcação prévia (e um mínimo de 20 pessoas), caso contrário o elevador desliga-se à hora do costume, 18h00.
Quem quiser pôr as mãos na massa e ver como se produz este vinho pode rumar à Quinta do Furão, no outro lado da ilha. Em setembro, os hóspedes podem participar na vindima, pisar as uvas de modo tradicional e, durante todo o ano, provar vinhos. Nesta vertente da ilha, a norte, em Santana, as paisagens são deslumbrantes e o promontório onde assenta este hotel de quatro estrelas e 45 quartos permite vista desafogada sobre os recortes da costa e do mar. Isto se o nevoeiro, fenómeno sempre súbito por estas paragens, não levantar de repente. Mesmo com a vista turva, vale a pena ficar no amplo terraço do restaurante, onde pratos como filetes de espada com molho de lapas vêm bem acompanhados com vinho feito na ilha.
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Artigo publicado, na íntegra, na revista Evasões de 19 de junho de 2015